sexta-feira, 23 de abril de 2010

Negro gato de arrepiar!

Em seu blog pessoal, Hélio Ricardo Rainho do Rio de Janeiro, conseguiu o que poucos conseguem: Expressar toda a genialidade de Diego Moraes em palavras.

Diego Moraes, revelado no reality show Ídolos, faz show arrasador no Rio de Janeiro e confirma as apostas em sua ascensão estelar
      Diego Moraes no palco do Rival: extensão vocal e presença de cena arrebatadoras


E o que são os gênios, afinal? A que vêm? Quais seriam a sua meta e a sua função? Que papel desempenham neste mundo para serem tão especiais, quase alados, diante da multidão que os admira? Seriam seres que flertam com o inusitado, que manifestam dons diferenciados, que atuam como singulares espécies da já tão singular raça humana? E qual é o preço, e qual é o critério, e qual é a mais objetiva forma de diferenciar um talento nato de uma genialidade? Onde fica a balança que discerne esses dois pesos?
        O Rio de Janeiro assistiu, na noite do dia 20 de abril, no Teatro Rival, ao show de Diego Moraes, segundo colocado na ultima edição do programa Ídolos de 2009. Casa cheia, um cerco de pessoas curiosas para ver, ao vivo, a atuação do menino de apenas 23 anos.
E que mistérios cercam Diego Moraes?
Identidade artística e personalidade: um jovem cantor marcado pela diferenciação


É comum, dentro do universo patenteador de mitos da televisão, vermos celebridades e talentos – uns verdadeiros, outros nem tanto – sendo revelados. A massificação gera popularidade imediata. A pulverização das chamadas redes sociais ajuda a ampliar esse espectro. Se Andy Wahrol preconizava que a profusão de famosos teria cada vez mais uma progressão geométrica, estão aí os nossos dias atuais para comprovarem a tese do mestre pop. Apesar disso, não tem jeito: um pouco de sorte e algum talento podem perpetuar os 15 minutos dessa fama.
Acho muito pouco provável que o cantor Diego Moraes saia de cena. Pelo contrario: está apenas entrando. Numa comparação de fácil entendimento, diria que esse menino está para a música popular brasileira como Neymar está para o nosso futebol. No caso de Diego, o drible está na garganta. A extensão vocal e o furor técnico de Diego não se limitam, no entanto, aos ziguezagues que muitos cantores com semelhantes dotes costumam fazer. Diego tem o olhar e a presença de palco que só os grandes têm. Mais do que isso: ele tem referências. Canta com verdade absoluta um riquíssimo repertório que passeia por Chico Buarque (Atrás da Porta, Partido Alto), Cartola (As Rosas Não Falam), Elis (Alô, Alô, Marciano), Renato Russo (Pais e Filhos), Gil (Palco e Punk da Periferia) e outros afins. Flerta, com rara sensibilidade e ousadia, com pérolas do nosso universo pop como Rita Lee (Pagu), Lulu Santos (Como Uma Onda no Mar), Herbert Vianna (Lanterna dos Afogados) ou o Rei Roberto (Negro Gato). 


Estilo black power: visual arrojado e autoral


O mais interessante disso tudo, porém, é que, inebriados com a riqueza desse repertorio escolhido, abrimos a guarda para vê-lo cantar e imediatamente constatamos: ele, por si só, já basta!
Ele é o show!
Afinal de contas, o que dizer de um menino dessa idade que faz de um hit brega como “Garçon” um momento ápice de um show - numa releitura de deixar o próprio Reginaldo Rossi achando que sua música era a Marselhesa, de tão emocionante?
Sem incensos gratuitos nem floreios precipitados, acredito que Diego seja o toque de ousadia que estava faltando à nossa MPB. Tão rica em talentos nas ruas e barzinhos das cidades, parecia por vezes combalida na cansativa fórmula das gravadoras de empastelar cantorezinhos bregas (sucursais de sertanejos travestidos em outros gêneros musicais). Faltava aos novos talentos uma envergadura pessoal para que pudessem representar a si mesmos, sem perderem a imagem para a armadura imposta em prol da cultura de massas. O que se vê além de Diego é um cenário de “emos”, pseudo-pagodeiros eletrônicos, funkeiros em apologias sórdidas ou roqueirinhos sem discurso com pose de quem lambeu sabão. Pouco mais do que isso. Quando muito, vemos gente boa... mas “igual”! O chamado “mais do mesmo”. Pior ainda para os “autorais”, que nos brindam com suas pérolas dadaístas, num estilo pretensioso e pouco contributivo às tradições de nossa música.

Sensibilidade acima da média para interpretar clássicos da MPB

Mas vem um menino-efeméride como Diego, de passagem súbita por um programa de calouros de televisão, e revitaliza a causa, enrijece a musicalidade, revigora a compostura, estufa o peito, orgulha-se e diz: “meu som é mais Brasil”.
A efeméride passa e fica.
Ele não cabe nas fórmulas pré-prontas, porque o talento genuíno não pode ser previsto, nem antecipado, nem desenhado: ele floresce, arrebata, rasga a roupa que tenta vesti-lo, destrincha a camisa-de-força, rompe a armadura.
Diego é uma força da natureza, ele é não-controlável. É maremoto, terremoto, furacão! Petulante, arrojado, empresta o vozeirão a várias “vozeirinhas”, encaixando falsetes e trinados a uma voz que recupera o orgulho do intérprete – algo cada vez mais raro em nosso cenário musical. Lá está a sua negritude, nos cabelos que remetem a Tony Tornado, James Brown, Jimmy Hendrix, Sandra de Sá e Elza Soares. Mas é uma negritude essencialmente brasileira, nada panfletária. Uma questão de atitude e identidade tão nítidas que fazem do cantor um tipo excêntrico, um autêntico performer, dono do palco em que atua.
O grande diferencial de Diego, aliás, é este: a presença de palco. Sem extravagâncias, sem arroubos de estrelismo, ele sabe se portar e conduzir com impressionante vigor o ritmo de cena, vivenciando o que canta sem maneirismos faciais ou apelos fáceis. No palco, Diego encarna os personagens de suas canções. Emociona-se integralmente, mas também provoca e estimula o público com sua entrega total. Não obstante quaisquer observações que outros mais entendidos de dotes musicais queiram fazer, Diego é o que se pode chamar de um artista completo. Mesmo estando na chamada “flor da idade”.

Show com conotações urbanas: conexão com as pessoas e com a cidade

O cenário do show foi um poste de luz, numa referência à urbanidade. É fácil entender: o canto de Diego Moraes surge como um canto da selva de pedra que é a cidade, engajado, que flui das ruas da cidade como um cântico de esperança, um grito lancinante e bem trabalhado para alcançar ouvidos e corações.
Artistas genuínos - qualquer que seja o seu destino na mídia - como Diego Moraes custam mais a surgir, porque não podem ser pré-fabricados nem costurados em laboratórios de gravadoras ou de televisão. Essa é a nossa esperança: que esse canto desafiador e urbano irrompa pelos becos e ruas da cidade e, a exemplo daquela canção citada pelo poetinha Drummond, cumpra seu sacerdócio, fazendo acordar os homens e adormecer as crianças.


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